quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Delicadeza do samba

A delicadeza de Teresa Cristina, tanto como cantora quanto como entrevistada, merece um bis. A entrevista a seguir foi publicada orinalmente na versão impressa do jornal O Popular e no site www.opopular.com.br (na íntrega, como a reproduzo aqui) na última terça-feira, 21 de setembro de 2010.

ENTREVISTA/Teresa Cristina

"Devem ter sacudido uma roseira para cair tanta gente boa"

Simpática, atenciosa e ansiosa para conhecer Goiânia. Foi assim que Teresa Cristina se mostrou ao conversar com O Popular, de Salvador, onde esteve no último fim de semana apresentando seu novo show. Na entrevista, a cantora de timbre forte usado sempre de maneira delicada falou da retomada da carreira após um período de afastamento para ter sua primeira filha, Lorena, hoje com 1 ano e meio, e sobre seu processo de produção. A seguir, os principais trechos da conversa.

Você está trazendo o show de Melhor Assim. Qual é a dinâmica do show?
Esse é show de lançamento do CD e DVD, um trabalho em que além de gravar música de outros compositores, como sempre faço, estou mostrando mais meu lado autoral. Tem parcerias novas, com Arlindo Cruz, com Lula Queiroga, Edu Krieger e tem músicas que assino sozinha, músicas um pouco diferentes. É um show que gostei muito de fazer porque eu estava há muito tempo sem trabalhar já que parei para ter minha filha (Lorena), que agora está com um 1 ano e meio. Quando eu gravei esse show ela estava com somente 6 meses. De lá para cá, muita coisa aconteceu e para melhor. Estou gostando muito do rumo que esse show está tomando. Eu já comecei pelo DVD, ao invés de fazer CD, azeitar um show e aí gravar um DVD ao vivo, já gravei direto o DVD com as músicas inéditas, para tentar crescer para o outro lado. E gostei muito, porque as músicas novas têm tido muito boa aceitação.

O show de Goiânia vai além do disco?
Acho que este show tem de ser um pouquinho diferente, porque, como é a primeira vez que estou indo a Goiânia, vou cantar para algumas pessoas que conhecem meu trabalho, mas acredito que a maioria vai conhecê-lo neste show. Quero botar músicas de outros CDs, cantar um pouco mais de Paulinho da Viola e outros cantores que gosto, como Cartola, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque. Idealizo um show bem aberto, mesmo sendo de lançamento, de músicas novas, para tentar fazer um pequeno retrato do que é meu trabalho, do que sou eu. E fico muito feliz de ser no câmpus da universidade, embora eu seja uma universitária relapsa que está com a matrícula trancada.

Que curso está fazendo?
Letras e Literatura Brasileira. Estou no sexto período. Com essa coisa de shows e agenda fui trancando e agora nem sei se vou conseguir voltar mais. Sinto muita falta da universidade, da sala de aula. Às vezes sinto que dou uma emburrecida. Quando fico muito tempo sem estudar, é porque estou trabalhando muito e fico sem tempo até para ler.

Você tem viajado bastante. Como você consegue conciliar todos os shows com o fato de ter se tornado mãe tão recentemente?
O melhor que poderia ter me acontecido foi ter voltado para a casa da minha mãe, depois de ficar grávida (a cantora deixou de viver em Copacabana, para voltar a viver em seu bairro de origem, a Vila da Penha, zona norte do Rio). Lorena nasceu na Vila da Penha. Foi muito importante para mim reencontrar minha casa, onde eu nasci, reencontrar o subúrbio do Rio de Janeiro. As realidades entre a zona sul e o subúrbio, na zona norte, são muito distintas. A Lorena nasceu no meio da minha família e, quando estou viajando, fica com a minha mãe e minha irmã. Isso me deixa tranquila. É claro que a saudade é absurda. Fico ligando durante o dia e às vezes até paro um pouco de ligar porque sinto que não tem necessidade de ficar deixando minha mãe preocupada. Mas a volta é sempre uma festa, uma alegria que vou ter minha inteira.

A volta para o bairro onde nasceu é algo que também mexe com seu lado criativo? A vivência e o ambiente são fonte de inspiração para você?
Claro. Algumas músicas desse trabalho novo, como Capitão do Mato, Lembrança, Guardo em Mim, são músicas que fiz já na Vila da Penha e no meio de uma correria em que nunca imaginei que pudesse criar. Eu lembro que, em Capitão do Mato, eu estava indo comprar um daqueles frangos de padaria, que a gente adora, em um domingo. Para chegar à padaria, eu tinha de subir uma ladeira e depois descer. Eu subi e desci e quando cheguei à padaria já tinha pensado na música e estava cantando. Quando voltei para casa com o frango, a música já estava pronta. Fiquei muito preocupada com essa coisa de estar sempre com a Lorena, quando estou em casa, e fiquei pensando "Caramba! esse momento, eu sozinha, de madrugada, tomando minha Coca-Cola, como gosto, não vai ter mais!" (risos). Mas a música é tão sagrada, que ela vai por outro caminho.

Seus insights são sempre assim: vêm quando você está vivendo seu cotidiano ou você tem de sentar e se concentrar para produzir?
Às vezes, busco esse momento sim. Quando estou pensando muito em uma coisa, um assunto - daqueles que você vê em um filme ou ouve em uma música -, gosto de sentar para jogar alguma coisa no papel e assim entender o que estou sentindo. É claro que é difícil uma música chegar assim e ficar pronta. Mas é o início de um trabalho. Eu tenho muitas ideias durante o dia e às vezes não é quando estou sentada com um bloco na mão escrevendo. Tenho vergonha de estar no meio da rua e começar a escrever e aí alguém falar "olha lá a compositora" (risos). Às vezes perco algumas coisas, uma ideia, algo que vi ou falei. Meu sonho é ser como um Paulo César Pinheiro ou um Roque Ferreira que senta para compor e compõe todo dia! Ainda estou um pouquinho longe disso (risos).

Qual são seus ícones, em que você mais se inspira?
Vou dar uma resposta politicamente correta, mas é mais pura verdade. Meu ideal é o colorido atual, do que já tem. Tem muita gente boa misturada. Eu pelo menos me divido em momentos, fases. Tem dias que ouço mais alguém. Uma Elizeth Cardoso, Paulinho da Viola, Clementina de Jesus, Candeia, Cartola, Nelson Cavaquinho, Cristina Buarque, Clara Nunes, Ataulfo Alves, Zé da Zilda, Noel Rosa, Dona Ivone Lara. É muita coisa, muita gente. Eu acho que o samba tem uma nobreza, uma capacidade de reunir pérolas, que não tem como parar para se debruçar sobre a obra de um só. Além disso, tem as cantoras que cantam esses sambas e que me inspiram muito. Tenho sempre minhas prediletas, mesmo que momentâneas.

Você também busca fontes fora do universo do samba?
Sempre. Eu ouço de tudo. Há, inclusive, informações que capto, mas não uso na minha música, porque acho que não casa ou não combina. Van Halen (banda de hard rock americana, formada na década de 70), que eu ouvia quando era adolescente, é um exemplo. Fui ouvir de novo dias desses e adorei. Um disco lindo, com arranjos lindos, com músicas em uma perspectiva completamente diferente do que eu faço. Mas isso influencia de algum modo.

Existe um público jovem muito interessado novamente no samba, um público em fase de renovação. Você percebe isso também?
Percebo já há bastante tempo, inclusive. Na época da minha adolescência, basicamente para ser antenado, era preciso conhecer de música estrangeira, rock ou heavy metal. Eu achava que era metaleira (risos). E tinha uma música pop muito forte, com Michael Jackson, Diana Ross. Era bem americano, sempre. Aí vejo que começou a acontecer outra coisa. Quando a gente começou a cantar na Lapa, foi incrível ver um garoto de 13 anos querendo tocar cavaquinho. A primeira vez que vi isso fiquei muito emocionada. Esse garoto já estava na idade de querer botar uma camiseta preta, querendo tocar rock. Não é que o rock tenha perdido espaço. Quem gostava de rock, continua gostando, mas agora também conhece música brasileira. Tem coisa que a gente ouve e tem um efeito tão grande, que a gente não consegue não ouvir mais. Fico imaginando que isso acontece com essa garotada nova. Gente que tem ouvido pela primeira vez a obra de Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa. Estou falando isso depois de ver aquele prêmio da MTV, o VMB (Video Music Brasil), um prêmio jovem. Tenho esperança com essa juventude que, além da música que é imposta, aprendeu a consumir música boa.

No Twitter você chegou a comentar sobre a decepção com alguns resultados do VMB. Essa coisa fabricada da indústria a incomoda?
Ah, fico enlouquecida no Twitter, uma ferramenta nova para mim. Acho até que falo demais (risos). Mas em relação ao que você falou, não chega a incomodar não. Só acho que é uma coisa muito monocórdica. Fica tudo igual, uma tendência só de figurino, cabelo, jeito de falar e cantar, uma música só. Não existe mais pluralidade no que a mídia quer vender para a juventude. E acho que deve ser ao contrário. A juventude é um momento da nossa vida em que devemos tentar de tudo. A gente quer o mundo. Eu queria abraçar o mundo com as minhas mãos. Não dá para se prender a um padrão só. Às vezes acho tudo isso engraçado, fico irritada e acho chato até. Vi pouco do prêmio, mas para mim o ponto alto foi quando - olha só a que ponto chegamos - entrou o encerramento com o Gaiola das Cabeçudas, com o Marcelo Adnet, que adoro, cantando com a aquela mulher transformer (refere-se à funkeira Valeska, que junto com Adnet faz um funk bem-humorado que teria "letras intelectuais").

Falando de Twitter também, outra faceta sua que você mostra bastante por lá é seu gosto pelo futebol. É uma grande paixão?
Arrebatadora. E não compro essa ideia de que futebol é ópio do povo. Se fosse, eu gostaria de morrer desse vício. Os jogos me ajudam a desestressar dos shows. Desligo um pouco a cabeça. Mas futebol para mim também já ultrapassou o esporte. Eu consigo ver no futebol exemplos para a vida. Não sou expert, não entendo de tática. Tenho uma visão mais romântica. Mas acho o futebol uma metáfora perfeita da vida. O que um time precisa para ganhar? Qual o segredo de um bom time? Com um bom planejamento você pode fazer gols, mas tem uma coisa que acho linda no futebol é que você pode ter bom ataque, boa defesa, bom meio de campo, bom técnico, o time jogando certinho, que mesmo assim a bola não entra e você perde para um time ruim. Isso é a vida.

Você é perfeccionista?
Não. Sou enrolada. Sou muito ansiosa. É o melhor adjetivo para mim. E na hora do planejamento a ansiedade bagunça. Não consigo ser metódica, porque a ansiedade atropela as coisas. Às vezes atrapalha até coisas que são fáceis de resolver. O que acontece é que estou ficando mais velha e minha ansiedade está diminuindo. À medida que diminui a ansiedade, consigo ver as coisas melhor. E a maternidade me trouxe isso também. Tenho que estar bem para fazer bem meu trabalho. Tenho que ser bem-sucedida no que eu faço, porque preciso fazer um mundo melhor para a minha filha. Fazendo isso descubro também que é uma coisa que minha mãe sempre quis para mim. Completa um ciclo. Além disso, consigo forças para vencer a minha timidez, para encarar as pessoas, para tentar me divertir um pouco mais no palco, tentar fazer aquela uma hora e meia com o público algo da melhor forma possível, extraindo alegria das pessoas.

Sua carreira está em um momento muito bom, assim como de muitas outras cantoras. O espaço para a mulher intérprete está muito maior. Como analisa isso?
Que bom que isso está acontecendo. Quando comecei a cantar, no final da década de 90, os textos diziam muito assim: "uma cantora nova!". Hoje o termo não é tanto motivo de destaque, porque existem muitas cantoras novas boas. Veja o exemplo da Tulipa Ruiz, um furacão! A conheci em um show no Bailinho (casa de shows), lá no Rio. É uma grande cantora e compositora. A Karina Buhr, minha grande parceira, Ana Cañas, Roberta Sá, Mariani de Castro, Ana Costa, Letícia Novaes, todas são. Acho que devem ter sacudido uma grande roseira para fazer cair tanta gente boa. E acredito que isso também vai dar uma sacudida entre os compositores, para que façam mais músicas para que elas cantem.

Crédito da foto: Washington Possato