sábado, 28 de abril de 2007

Uma Páscoa Multireligiosa

Depois de pouco mais de um ano, estive dentro de uma igreja de novo no último domingo de Páscoa. Assisti à missa de sétimo dia da minha avó materna. De família tipicamente goiana desde pequeno fui criado sob os ritos da Igreja Católica. Quem me conhece sabe que há pouco mais de cinco anos decidi que não iria mais freqüentar nenhum tipo de instituição religiosa, por convicção de que este tipo de fé já não mais me pertencia.

Ainda bem que quando mais o tempo passa mais maduros e sábios ficamos. Se estivesse na mesma situação há cinco anos tudo seria diferente. Talvez teria uma daquelas célebres reações de garoto-sabe-tudo e menosprezaria o ambiente religioso, julgando tudo um engodo dos bispos. Verdade ou não, isso já não me importa mais.

Para ser franco, o fato dos católicos celebrarem sua religiosidade com a cara de quem está indo para forca, com grande pesar nos ombros, até hoje me incomoda muito. A maioria nem presta a atenção no que está fazendo. Assim foram ensinados. Paciência!

Há tempos estou no que gosto de chamar de estado de suspensão, do qual talvez nunca saia. Trata-se daquele espírito de quem não crê e nem descrê. Já disseram vários cientistas que até mesmo os ateus têm sua religião – alguns encaram a ciência como a sua. Ou seja, todo mundo que vive crê em algo, mesmo que seja somente na “verdade” de átomos e moléculas. Posso até me encaixar em um rótulo, mas odeio ser chamado de ateu ou agnótisco.

O que passei a achar, ironicamente, é que bem ou mal a Igreja talvez tenha sido e, na maioria esmagadora dos casos continua sendo, muito pertinente à humanidade. Tem todos os defeitos do mundo possíveis em uma instituição fundada e mantida por homens. Mas como seria uma mundo sem igrejas? As pessoas seriam capazes de julgarem, a princípio, por si próprias, o que é bom ou não, se não tivessem que ter medo do Papai do Céu? Sinceramente, minha fé na "bondade inata" da humanidade nunca foi forte...

O alento é que, com todas as suas falhas, o Universo que criou o homem teve sabedoria de implantar nele crenças que, mesmo com graves efeitos colaterais como guerras religiosas fudamentalistas, conseguem regular a moral e levar muita gente por aquilo que se chama de “caminho do bem”.

Se eu criaria meus filhos como meus irmãos e eu fomos criados dentro da igreja? Sim, se isso fosse muito importante para a mãe deles. Caso contrário, não, mesmo sabendo que me norteio em princípios de bondade e ética, por ter sido criado dentro de igreja – obviamente por mérito dos meus pais e não dos senhores de batina. Quero mostrar a eles que se pode acreditar no que sua necessidade permite ou a intuição manda. E que esta é a beleza de um mundo de muitas religiões, sejam elas no sentido bíblico ou não.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Um Pai

Depois de um tempo longe, estou de volta. Fiz umas pequenas mudanças. A vida é a assim a gente tem de mudar para encontrar novas forças. Aproveitando que estamos a dois dias da Páscoa, publico uma adaptação da narrativa que entreguei como trabalho final da especialização. O tema é pertinente nesta data. Quem me conhece bem sabe que tenho visões bem diferentes das usuais sobre religiosidade. E tenho uma peculiar. Boa leitura.

UM PAI

Aos oito anos de idade, a pequena Bernadete Dinorah de Carvalho Cidade, estava sozinha no quarto semi-escuro e teve uma experiência que a marcou bastante. Em seu quarto uma figura negra aparece.

– Quem é você? – questiona a menina, sem resposta.

Sempre teve muitos pesadelos à noite. O sono é muito agitado. Nesta noite de 1960 em seu quarto, ela grita muito. Os pais se levantam e vão até lá para saber o que estava acontecendo.

Bernadete conta que a figura lhe falou que não adiantava chamar ninguém, porque continuaria a aparecer sempre que estivesse sozinha.

Em uma manhã ensolarada de janeiro de 2007, ganhei a oportunidade de contar para alguns milhares de leitores a história de Bernadete, de acordo com suas palavras.

A manhã já é alta. No Adress Hotel de Goiânia, nenhuma exaltação entre os hóspedes. Nas ruas da cidade um forte Sol ilumina os verdes e floridos canteiros da avenidas da cidade.

Toda de negro, ela em nada lembra a pequena Bernadete. Não fosse os 54 anos e o rosto conhecido, qualquer um diria que trata-se de mais uma emo – representante da tribo urbana jovem que renovou o estilo punk de ser. Camiseta vazada como uma meia arrastão por baixo de uma regata, calça colada e mini-saia por cima, botas plataforma, ela se destaca dos demais pela cor do cabelo. Violeta, tinta recém retocada.

Tira os óculos escuros. Cumprimenta com um aconchegante abraço, desculpa-se pelo atraso e pede mais um tempo.

– Essa é quem estou pensando? – pergunta uma senhora sentada ao sofá de espera.
– É sim – respondo presumindo a conclusão.

Baby Consuelo. Baby, que já não é mais Consuelo, mas do Brasil. Espevitada e gentil. O sorriso continua o mesmo de quando eu era criança e ela cantava mostrando-os e dizendo que tudo era azul, inclusive Adão e Eva no paraíso.

Bernadete, ou melhor Baby, tornou-se há pouco mais de sete anos evangélica. Virou “popstora”, como gosta de dizer, da igreja Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome de Jesus, no Rio de Janeiro, fundada por ela em 2003. Desde então não fala mais palavrão.

– Quando Ele falou comigo fiquei assustada e pensei: “os outros evangélicos vão pirar comigo”. Existe um lado evangélico muito radical que não abre para nada. Do outro lado as portas são abertas para todos. É importante que todos conheçam a mensagem de Jesus. Não é só ser careta, porque o lado punk e heavy também existem na igreja.

Em 1999, ano da conversão, tinha 46 anos. Estava em casa, no quarto. De repente sente que algo muito forte a percorre por todo corpo. É como se uma voz a penetrasse em um lugar muito especial. Um timbre inconfundível. Foi o primeiro contato verdadeiro com Deus. O chamado.

– Você é cristão? – pergunta-me.
– Sou sim.
– Glóóória ao senhoooor. Você sabe que no céu não entra bunda mole, não, hein. Só casca grossa... Ha ha ha ha.

Baby é esforçada diante da missão. Desde que optou por entrar para o rebanho do Senhor não teve mais nenhum namorado. Pelo menos nenhum que “estivesse na mesma onda”. Abstinência total de sexo. Nem sequer beijo na boca. Amigos se afastaram, com medo que se transformasse em uma chata pregadora.

– Como você vê, durante esse tempo todo, isso não está acontecendo – garante.

Nos últimos anos, esteve em baixa no mercado da música, por adotar somente o gospel. Mas o dom divino de cantar agora será usado para arrebanhar novos fiéis. Duas gravadoras de porte nacional estão analisando a proposta de um novo projeto. Um CD duplo, metáfora de suas duas facetas perante o público. De um lado do encarte, um CD com a Baby dos velhos tempos, como nas canções Menino do Rio, Todo Dia Era Dia de Índio, Sem Pecado e Sem Juízo. Do outro lado, músicas de adoração e louvor.

É que Deus lhe disse que era uma vitrine. Que todos estão na grande expectativa, com os olhos voltados a ela para saber a que horas vai ficar fanática de vez. Que uma das coisas positivas em sua fama é justamente atrair as pessoas que querem saber ser realmente é bom ou não ser cristão.

Para conquistar novas ovelhas para o rebanho do Senhor, vale os artifícios da beleza. A pele é muito bem cuidada, vistosa e hidratada. Gosta de se enfeitar. Um dia pode acordar “muito punk”, em outro pode estar de roupa comprida. Faz questão de dizer que não faz nenhum compromisso com a moda. Mas o violeta da tinta do cabelo está no auge, assim como suas roupas com estampas de oncinha.

A oncinha, aliás, faz parte da decoração da recepção, nas almofadas e cortinas, de sua igreja no Rio de Janeiro. Próteses de silicone nos seios, pele em excesso acima dos olhos tirada, agora quer perder cinco quilos e ganhar músculos para ficar saradona.

Enquanto continuamos nosso passeio pelo hotel, seu celular toca. Baby escuta atentamente e o semblante fecha; o sorriso apaga-se por alguns instantes. Pede-me cinco minutos. Tem de ajudar a mãe que está no Rio de Janeiro e precisou de um atendimento médico.

Quando fico sozinho penso sobre como Baby às vezes parece uma criança assustada em busca de apoio. Uma criança que teme desgarrar-se das mãos paternas e perder-se no meio de uma multidão.

Passei boa parte da minha vida querendo entender porque os seres humanos são tão necessitados de uma figura que as protejam de tudo e de todos, uma figura paterna, poderia dizer. Algo que as dê um norte, explique por que estão aqui e as guie.

Em Baby encontro mais perguntas que respostas.

– Sabe o que espero do amanhã? – atiça-me ela, invertendo as posições, pouco depois de voltar.
– O quê? – devolvo a pergunta.
– Sempre o melhor, porque consagrei o futuro a Ele. Tenho certeza de que se continuo com Ele o amanhã é certo. Renovo como Ele a cada manhã e não há nada mais delicioso. É um prazer que não tem explicação. Não há nenhum tipo de droga que possa trazer a onda que o Espírito Santo traz. Nem maconha, nem vinho, nem LSD. Nada é igual. – Pausa breve. Silêncio – Olha só, até me arrepiei toda.

* * *

Chorando sozinha em seu quarto a pequena Bernadete novamente encontra-se com a figura negra.

– Eu não disse que ninguém iria lhe ajudar? – diz-lhe a voz taciturna.

A menina sente-se em um abismo. Sofre uma das maiores dores de sua vida. Lembra-se das histórias que a avó lhe contava sobre a vida de Jesus, um homem que ressuscitava os mortos, operava milagres, ensinava que cobiça maliciosa de coisas materiais não era legal e que as pessoas deveriam amar-se uma às outras.

Lembra que lhe contou que os homens mataram esse cara que tinha o poder de ressuscitar os mortos. “Por quê?” – pergunta-se internamente. Vê que está em um mundo em que se matam pessoas santas, sem justificativa. Um grito ecoa dentro dela. A voz taciturna a manda para a janela e cair.

Quando chega bem próximo do abismo, que dá para uma enorme queda, algo segura Bernadete. Uma outra voz fala:

– Cuidado.

“É a voz de Deus”, pensa. No mesmo instante, sai de perto da janela.