– Como posso denominar a senhora? Monja?
– Não, não sou monja. Sou oblata. Como sei que vai ter explicar isso para o leitor, você pode dizer que é a mulher religiosa que, pelo fato do mosteiro ser somente masculino, é consagrada para tomar parte na ordem.
Ela sabe porque já esteve do outro lado. Com freqüência, retoma a posição.
1975, França.
Com alguns anos de graduada e com experiência em redação, a jornalista Arcelina, nascida e estudada na capital paulista, vai à França fazer seu mestrado. Ela consegue aliar o estudo com a prática da profissão que escolheu, sendo correspondente do Jornal do Brasil na Europa. A atividade, um ano mais tarde, lhe renderia convite para trabalhar na novíssima Universidade de Brasília. Na capital federal, começa a cobertura local pelo jornal o Estado de São Paulo. Ditadura. Ela e os colegas de redação conhecem bem de perto a mão castradora da censura militar. Quem a conheceu na vida agitada dessa época, talvez se surpreendesse ao vê-la, trinta anos mais tarde, como uma oblata beneditina, desprovida de qualquer necessidade de casarões, carros, roupas caras e dinheiro abundante.
1996, Brasília.
A morada é uma rica casa do Lago Norte. Separada, depois de passar onze anos casada com o pai de seu único filho, Pedro, e um ano após escrever o livro "Crônica do Salário Mínimo", onde conta a experiência de viver com mínimo, Arcelina passa pela pior provação de sua vida.
A imprensa, reunida no cemitério, causa uma movimentação incomum à intimidade pertinente nessas ocasiões. O acontecido chocou a atenção pública na cidade nas últimas horas. A correria ainda não havia permitido muita reflexão até aquele momento. A imagem forte e presença de muita gente povoa suas preocupações. A certidão de óbito não esclarece muito. Diz somente a causa da morte: afogamento.
– Ninguém duvide do amor de Deus por Pedro e por todos – diz emocionada aos presentes.
Arrepio.
2000, Brasília.
O jornal Correio Braziliense para o qual prestou colaborações, traz Arcelina de volta às manchetes. No Lago Norte, a rica casa está vazia. Um óleo sobre seda de Hélio Oiticica de 6 mil dólares, um óleo sobre tela de Antônio Poteiro de 1.800 reais, um óleo sobre tecido de Cláudio Tozzi, 6 mil reais, quase todo o mobiliário, algumas recordações de viagens feitas a mais de 50 países, bens de uma vida toda, serão vendidos dali a dias em um bazar na SHIN QL 02, conjunto 10.
O repórter João Luiz Marcondes justifica em sua matéria: "Desde agosto do ano passado, ela mora no Mosteiro da Anunciação, na cidade de Goiás, numa vida de retiro, preces, meditações e silêncio. No próximo Domingo de Páscoa, ela parte para uma fase do projeto de vida que escolheu para si: peregrinar pelos continentes se inserindo entre populações pobres de diferentes regiões. (...) Toda renda será usada na viagem, certo? Não. A jornalista, que agora se dedica a escrever livros sobre suas peregrinações, resolveu doar todo o dinheiro que conseguir. A renda vai para a Comunidade Terapêutica Senhor Jesus, uma instituição filantrópica que cuida da reabilitação de dependentes químicos vindos de famílias carentes. ‘Pretendo salvar algumas vidas’, diz ela, que, infelizmente, acabou vendo o filho único morrer por conta da dependência de drogas químicas, há dois anos e meio. Pedro, que tinha 20 anos, morreu afogado no Lago Paranoá".
Redescoberta
Há 2 anos
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